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domingo, 18 de outubro de 2009

CORAGEM PARA PENSAR POSITIVO

ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS PRISÕES


     A prisão é velha como a memória do homem e continua a ser a panacéia penal a que se recorre em todo o mundo. Lê-se no Gênesis (cap. 4 XL): “dois eunucos, o copeiro do rei do Egito e o padeiro, pecaram contra seu senhor. E o Faraó, irado contra eles (porque um presidia aos copeiros, outro aos padeiros), mandou-os meter no cárcere do general do exército, no qual estava também preso José. E o guarda do cárcere entregou-os a José, que também os servia”.

     A princípio, a prisão destinava-se a animais. Não se distinguia, porém, entre irracionais e racionais “inferiores”. Prendiam-se homens pelos pés, pelas mãos, pelo pescoço etc., conforme o medo ou a cólera. Homens e animais foram amarrados, acorrentados, calcetados, grilhetados, manietados etc. Das nascentes zoológicas é que vem o uso de “prender”, da canga às algemas. O número crescente de presos foi pretexto para murá-los e ainda emparedá-los, engradá-los, aferrolhá-los, sem prejuízo dos guardas e soldados armados como para a guerra. Cavernas, naturais ou não, subterrâneos, túmulos, fossas, torres, tudo servia para prender. Prendia-se para não deixar fugir ou para obrigar a trabalhar.

    Depois, vieram às prisões para “salvar”, “regenerar”, “recuperar”, “corrigir”, “emendar”, “reformar” e outras mentiras. “Vou te emendar”, ouvi, na infância, de pais e mestres de chicote em punho. O chamado sistema ou regime penitenciário, originário de religião, perdeu ou abandonou sua base: o pecador (o criminoso) aceitava e, às vezes, suplicava como graça, a penitência. A “reabilitação” vinha da adesão íntima ao sofrimento purificador. Mais do que anacronismo, prisão constitui, hoje, excrescência sem conteúdo. A penitência é, agora, imposta, aliás, inutilmente, ao sentenciado, quando cabe ao juiz e ao carcereiro, aos mandantes e cúmplices deste. A sinceridade purgatória, a espontaneidade do arrependimento é que tornava “instrumento de vida e de saúde o longo suplício da solidão que, por si mesma, só inspira o vício e o desespero” (Du Boys). Eis o reconhecimento de que, sem a penitência, a penitenciária é vício, é desespero. O sofronistério de PLATÃO era “a casa em que os homens tomavam juízo”. Nas células, tomam loucura. O próprio BENTHAM prejudicou sua visão de precursor com a obsessão da vigilância. E o “sistema panóptico” interrompeu a evolução humanista. CROFTON foi responsável pelo sistema progressivo que não podia progredir além dos esquemas carcerários.

    Variaram apenas na “técnica” os castigos diretos ou indiretos, no corpo e na alma. Tudo para confessar e purgar a culpa, arrepender-se e penitenciar-se, sacramentalmente, numa célula. Com finalidade utilitária (proselitismo religioso, trabalho forçado, exploração sob várias formas) a prisão foi sendo ampliada entre muros cada vez mais altos e as segregações, desde o solitary system às progressões e formas mistas de vários tipos, ou a promiscuidade, mais ou menos permanente e completa. Aliás, ainda sob o solitary system, a crônica autenticou a história com a revelação das fraudes para a comunicação e o contato.

    Mais tarde, os presos foram soltos nos mais diversos espaços e sob os mais diferentes pretextos. A verdade é que não há, a bem dizer, sistemas ou regimes. Praticamente, influi mais a mudança de um chefe do que um novo Código. E serão possíveis sistemas ou regimes para o assistemático, o irregível, dependente de objeto e meios variáveis, de circunstâncias imprevisíveis? Surgiram até, para uma minoria de privilegiados do mal ou do bem, de um lado, prisões que receberam legendas infernais (e continuam a existir) e, de outro, prisões que se descaracterizam e se desnaturam, até as casas de “boa vida”.

    FERRI considerou a prisão celular aberração do século 19, quando é de todos os séculos, inclusive o atual. VOLTAIRE referiu-se às fossas que os bárbaros chamam prisão. Subsiste a fossa-prisão, inclusive para menores. A maioria cumpre penas em lugares mais aberrantes do que as células.

    Nenhum país conseguiu resolver, sequer, o problema primário das prisões preventivas ou provisórias, mesmo “especiais”. Estas são agora demoradas e extensivas, mesmo “especiais”. Estas são agora demoradas e extensivas. Condenam-se, desde logo, os indivíduos processados, protegidos pela presunção de inocência, muitas vezes reconhecida pela Justiça, a sofrer tratamento inqualificável. A regra é a masmorra. Não resisto ao impulso da separação fúnebre, porém realista: mas-môrra. Aí está tudo: al-gemas! Mas-môrras! Não bastam gritos passionais, intermitentes e epidérmicos, ora negativos (vingança, alarma e outras excitações e incitações contra o criminoso), ora positivos (piedade e outras excitações a favor do criminoso), em regra com lágrimas esportivas e sustos mimosos de sensitivas vegetais. Ou animais? Uns e outros geraram repercussões cívicas, políticas e até filosóficas. Tenha a ação à ciência!

    A vanguarda evoluiu no espaço, do quarto (cela) para a sala, o pátio, o pavilhão, os arredores, a ilha, a colônia. O primeiro avanço fundamental foi à liberdade (a liberdade!) de nova vida noutro lugar. Não importa o nome (transportação, relegação, exílio, degredo, banimento, desterro, expulsão, etc). Quem aprofundar a reflexão há de reconhecer o progresso sobre as penas de morte, castigos corporais, escravidão. A prisão terá sido adiantamento?

    Em última análise, que estão pensando e fazendo atualmente? Apesar do unânime reconhecimento da nocividade das penas privativas de liberdade, curtas ou longas, contínuas ou não, determinadas ou não, tudo continua a girar em torno da prisão. No entanto, bastaria abrir, ao acaso, qualquer alfarrábio para encontrar a ciência adquirida há séculos. Vejam, por exemplo, o de WARREE: “a pena é injusta se inútil” E se funesta? São insolúveis os problemas da prisão coma prisão. É o que todos sabem. Mesmo que dispuséssemos de verbas para as separações e as discriminações indispensáveis; ainda desprezando as conquistas técnicas e científicas, não aludo, é claro, a alguns estabelecimentos promocionais “para mostrar” que agravam, com as sombras da iniqüidade, um quadro insustentável pela ignomínia e pela crueldade requintadas pela falsidade e pela hipocrisia.

    Privilégios para poucos, pois são poucos os ricos e poderosos presos, enquanto o maior número, até de processados, é animalizado ou explorado nas cadeias. “Penitenciárias maravilhosas” e monumentais, colônias virgilianas são exceções que culminam o contraste com os horrores vizinhos. São ilhas de graças num mar de desgraças. Mas, com outras desgraças – as do estímulo ao mal. Não há mais o que projetar. Os gabinetes estão cheios de planos. Não passam aos atos e fazem ouvidos de mercador – de mercador, sim – aos que têm ciência e, sobretudo, consciência. 


http://www.nplyriana.adv.br/link_geral.php?item=geral30&titulo=Orig

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